As predições feitas por Jesus, de que os seus discípulos seriam entregues aos concílios e tribunais, e lançados nas prisões, estavam sendo cumpridas novamente. (Ver Marc. 13:9; Mat. 10:23; Luc. 21:12 e João 15:19,20). Esse incidente, naturalmente, como o ódio daqueles homens se intensificava cada vez mais, porquanto agora não tratavam os discípulos de Cristo nem ao menos com um mínimo de respeito, segundo fora o caso em Atos 4:1-3.
Apesar de que em nenhum outro trecho bíblico somos informados de que Paulo teve qualquer participação ativa nas perseguições contra os cristãos, em Jerusalém, não há motivo algum para não atribuirmos esse versículo a essa possibilidade, embora o centro da perseguição, da qual ele mais participou, sem dúvida era a cidade de Damasco. (Quanto às próprias referências de Paulo às perseguições por ele efetuadas contra os cristãos, ver Gál. 1:12,23; I Cor. 15:9; F11. 3:6; Atos 22:3,4 e 26:9,10). A alusão freqüente de Paulo, a essa questão, indica ο remorso profundo que ele sentia por essa causa.
Natureza das perseguições lideradas por Saulo de Tarso contra os cristãos. Essa natureza se verifica nas palavras «...assolava a igreja...» O verbo aqui traduzido por «assolar», no original, «desonrar» , «vilipendiar», «devastar», arruinar, é utilizado no N.T. exclusivamente neste versículo, embora seja freqüentemente usado para indicar as devastações feitas pelos exércitos pelos animais ferozes. Robertson (in loc.) sugere a metáfora da devastação de uma vinha, produzida por um javali (ver. Sal. 79:13). Saulo de Tarso, derrotado em debate por Estêvão, nas sinagogas dos cilicianos, tendo sido testemunha de seu fim, agora cheio de ódio contra a comunidade cristã inteira, e perseguia com sucesso a todos os cristãos. Toda a admirável energia de seu ser, mediante a qual, posteriormente, estabeleceu as igrejas cristãs no mundo gentílico quase sozinho, era então empregada para devastar a igreja cristã, a fim de que, se fosse possível, fazê-la desaparecer da face da terra, apagando qualquer memória do nome de Jesus Cristo entre os homens. Para ele, isso foi causa, em anos posteriores, de memórias amargas e de muitas lamentações.
Saulo não poupava nem mesmo a mulheres; e sabemos, com base no trecho de Atos 26:10, que muitos cristãos foram mortos em resultado de seus esforços, porquanto não meramente perseguia e encarcerava aos cristãos. Algumas das mulheres devotas, mencionadas nas passagens de Luc. 8:2,3 e Atos 1:14, mui provavelmente foram as mais duramente atingidas por essa perseguição.
Os seguidores de Jesus Cristo eram então punidos, nas sinagogas, sobretudo através de açoites —as quarenta vergastadas, menos uma, sobre as quais lemos em II Cor. 11:24. Essa era a penalidade mais comum para as ofensas de menor monta, contra as tradições religiosas. Outros crentes eram compelidos a blasfemarem contra O nome do Senhor, a quem haviam declarado ser o Cristo (ver Atos 26:11 e Tia. 2:7). Eram sujeitados aos ultrajes mais terríveis, e a processos legais fraudulentos. (Ver I Tim. 1:13). Saulo, acompanhado de outros elementos, inspirados por impulsos insanos, maltratava suas vítimas com brutalidades e sadismo, com uma ferocidade que punha em descrédito qualquer declaração que faziam acerca de sua piedade pessoal, assinalando-os como indivíduos violentos, iníquos e não regenerados. Isso nos mostra a que profundezas indivíduos supostamente piedosos podem afundar! Até mesmo o vocábulo «...arrastando...», usado aqui na descrição do modo como Saulo tratava de suas vítimas, que literalmente significa «compelir à força», implica com que desnecessária brutalidade se desincumbiam de seu intuito de aniquilar o cristianismo.
«Nenhuma pessoa podia sentir-se segura em sua própria casa, embora seja este o seu castelo. Tanto homens como mulheres eram arrastados pelas ruas, sem nenhuma consideração para com a comparativa debilidade do sexo mais fraco, tão extremamente impulsionado por preconceitos era ele Saulo de Tarso...» (Matthew Henry, in loc.).
O Poder De Uma Vida Isolada
1, Consideremos o que Saulo de Tarso, sozinho, foi capaz de fazer. A história fornece-nos muitos exemplos do que uma só pessoa, para o bem ou para o mal, pode fazer, como efeitos duradouros e tremendos.
2. Mas qualquer pessoa, por mais ínfima que seja, produz tais efeitos, sobre outrem ou sobre algumas poucas pessoas. Consideremos essa responsabilidade! Um pai pode arruinar ou salvar a um filho; uma mãe pode elevar ou degradar uma filha.
«Tudo serve para mostrar-nos que a influência de um único homem se propaga não como uma corrente, de elo para elo, em sucessão ininterrupta, e, sim, como um incêndio, fagulha após fagulha, saltando de vida para vida, atravessando continentes e cruzando os séculos. Estêvão apanhou aquele impulso divino de seu Senhor; então passou-o para Paulo; e de Paulo se tem propagado a homens e mulheres em todos os recantos do mundo. Estêvão não fazia a menor ideia da grande influência de sua corajosa morte sobre o futuro do mundo. Os homens raramente fazem ideia disso. Toda a influência humana que pode ser calculada e predita, usualmente pode ser eliminada como fator importante. Até onde Estêvão poderia prever, ele perdeu a sua vida ainda jovem em troca de nada, parecendo-lhe que a sua memória haveria de desaparecer com aquela geração. Mas não! O seu nome continua vivo. Fala em prol do espírito de heroísmo que pode haver em um homem, bem como da disposição em sofrer sem qualquer esperança de ganho, como testemunha da verdade, a despeito das conseqüências. A influência dessa atitude é o extravasamento de sua vida abundante, a qual, sem nenhum esforço consciente, extravasa para as vidas de outras pessoas». (Theodore P. Ferris, in 10c.).
Uma outra citação, que ilustra admiravelmente bem a mensagem do poder da influência é a que damos abaixo, extraída da obra de Lecomte du Nouy, «Human Destiny» (Nova Iorque, Longmans, Green and Co., págs. 254-255, 1947); «Não podemos deixar de ficar admirados ante a desproporção que há entre a duração da existência terrena de um homem e a duração de sua influência sobre as gerações futuras. Cada um de nós deixa uma trilha modesta ou rebrilhante; e essa convicção deveria fazer-se sentir em todos os atos de nossa vida... As ondas provocadas por Moisés, por Buda, por Confúdo, por Lao Tsé e por Cristo, provavelmente exercem mais poderosa influência sobre a humanidade, hoje em dia, do que quando esses homens ponderavam sobre sua sorte e felicidade».
A lista citada pelo autor acima transcrito poderíamos acrescentar muitos outros nomes, de pessoas tanto bem conhecidas como obscuras. O grande Tomâs de Aquino viveu somente até os quarenta e nove anos de idade, mas a sua influência é imorredoura.
ABAIXO COMENTÁRIOS DOS VERSÍCULOS 1 E 2, CASO ALGUÉM DESEJAR VER MAIS SOBRE O ASSUNTO!!!
O fato de que Saulo consentia na execução criminosa de Estêvão tem sido considerado, por diversos intérpretes, indicação de que aquele era membro do sinédrio, que dava a sanção oficial do mesmo ao ato. Também é perfeitamente provável que ele tivesse sido uma das testemunhas de acusação contra Estêvão, porquanto ambos os homens eram membros proeminentes das sinagogas helenistas de Jerusalém (ver as notas expositivas sobre Atos 6:9); e Saulo deve ter sido um dos líderes mais perturbados pelos ensinamentos de Estêvão, que os judeus incrédulos reputavam doutrinas heréticas. No entanto, não existem evidências sólidas de que Saulo fosse membro do sinédrio, embora seja indiscutível que ele tenha sido um dos principais membros da comunidade judaica-helenista, bem como uma das principais forças que provocaram a morte de Estêvão. Pelo menos nessa capacidade é que ele dava o seu consentimento ao que era feito contra Estêvão.
O consentimento de Saulo é encarado por Lucas como parte da responsabilidade pela execução de Estêvão, e o próprio apóstolo Paulo, mais tarde, tomou esse mesmo ponto de vista. (Ver Atos 22:20). Em sua epístola aos Romanos, Paulo mostra que aqueles que aprovam pecados hediondos são culpados dos mesmos, embora eles próprios talvez não participem desses crimes.
«Ora, conhecendo eles a sentença de Deus, de que são passíveis de morte os que tais coisas praticam, não somente as fazem, mas também aprovam os que assim procedem». (Rom. 1:32).
O verbo «
...consentir...», neste caso, com freqüência se reveste da significação de deleite ou zelo. Saulo se deleitava no que era feito. A tradução de Williams, em inglês, diz «aprovava de todo o coração». «Quão perigoso é o espírito de partidarismo; e quão destruidor pode ser o zelo, até mesmo pela verdadeira adoração a Deus, contanto que não seja inspirado e regulado pelo espírito de Cristo!» (Adam Clarke, in loc.).
Os passos descendentes de Saulo de Tarso.
Gradualmente Saulo foi intensificando o seu espírito de malignidade, o que acrescentava crime a crime. E isso pode ser caracterizado por três passos, a saber;
1. A princípio ele se opôs verbalmente a Estêvão, tendo-se tomado seu opositor ativo porque temia a nova verdade, supondo que nada poderia ser jamais adicionado ao sistema doutrinário do judaísmo, pois este, segundo sua estimativa, incluía toda a verdade possível, em princípios, ou pelo menos, incluía os meios para aquilatar qualquer outra ideia.
2. Em seguida, Saulo consentiu no assassínio de Estêvão. Evidentemente o seu consentimento foi dado de todo o coração, e até mesmo com prazer.
3. Depois disso, Saulo se tomou perseguidor contra muitos cristãos. Assim também sucede com a maldade de qualquer um, que tem o seu começo, o seu desenvolvimento e, finalmente, irrompe em labaredas furiosas. Também se deve observar a influência perniciosa de Saulo de Tarso, que levou outras pessoas a se tomarem perseguidoras e cruéis.
«
...Naquele dia levantou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judeia e Samaria...» Essas perseguições, sem a menor sombra de dúvida, pareceram iníquas; e, para aqueles homens ímpios e violentos que as perpetraram, foi um crime hediondo, pelo qual certamente haverão de ser julgados ante o tribunal de Deus. Porém, Deus transmuta a ira dos homens, fazendo-a redundar em seu próprio louvor. Justamente isso que sucedeu neste caso, porquanto a dispersão da igreja primitiva foi tão-somente apressada, por motivo dessas perseguições. A situação se tomou tão tensa e radical, em Jerusalém, que um grande grupo de crentes foi obrigado a buscar refúgio em outros lugares, para poder sobreviver.
«
...Naquele dia...» Essa expressão tem provocado muitas discussões entre os intérpretes. Será que essas palavras significam naquele mesmo dia da morte de Estêvão? Alguns estudiosos duvidam dessa possibilidade, porquanto, como é óbvio, o que sucedeu ocupou algum período de tempo; por isso mesmo, alguns eruditos pensam que estamos diante de um «dia» que envolve certa extensão de tempo, e não um dia apenas de vinte e quatro horas, literalmente falando. É provável que a verdade dessa questão seja uma posição intermediária entre essas duas idéias. A perseguição contra os cristãos começou naquele dia, com a execução de Estêvão; e naquele mesmo dia tiveram início outros abusos, despertados pelo grande ódio que fora aceso nos corações dos líderes religiosos de Israel. No entanto, aquele dia foi apenas o início de tudo quanto é descrito neste versículo, o qual, na realidade, é uma espécie de sumário da primeira perseguição movida contra a igreja cristã, perseguições essas que perduraram até os tempos de Constantino (nos primórdios do século IV D.C.), quando a igreja, tendo sido feita religião oficial do império romano, deixou de ser perseguida.
«...os ímpios são como feras brutais; pois quando provam o sangue, desejam-no ainda mais, e se tomam mais cruéis, cometendo assassínios. Porquanto Satanás, que é o progenitor de toda a crueldade, primeiramente retira dos ímpios todos os sentimentos humanitários...isso feito, desperta neles uma sede inextinguível de sangue... de tal modo que, quando começam, jamais terminam de satisfazer a sua vontade». (Calvino, in loc.).
O Senhor Jesus dera instruções aos seus seguidores para que, quando fossem perseguidos numa cidade, fugissem para outra (ver Mat. 10:23); e isso, sem dúvida, para a própria preservação da existência deles como comunidade cristã. Evidentemente muitos discípulos seguiram esse conselho. A passagem de Atos 9:26 mostra-nos que em Jerusalém ainda havia uma comunidade cristã; mas esta, sem a menor dúvida, fora grandemente reduzida quanto ao seu número. A palavra «
...todos...», neste atual versículo, não pode significar cada crente, em sentido absoluto, embora indique um grande número deles, de modo a ficar indicada uma extraordinária diminuição do exército cristão na capital de Judeia.
«
...exceto os apóstolos...» A mão divina protegeu os líderes principais da igreja, até que O Espírito Santo estivesse preparado para enviá-los em suas missões de alcance mundial, longe de Jerusalém. O testemunho cristão, na capital de Israel, teria de ser firmemente estabelecido, e os judeus teriam de ficar totalmente sem desculpa, de tal modo que nenhum deles pudesse declarar que não tivera oportunidade de ouvir a mensagem do Messias de Israel, conforme era desenvolvida e pregada através dos seus ministros especiais, os apóstolos.
Existe uma tradição histórica, preservada tanto por Clemente de Alexandria (ver Strom. vi. 5, §43) como por Eusébio (ver História Eclesiástica v. 13), no sentido de que Jesus recomendara aos seus apóstolos que se demorassem em Jerusalém pelo espaço de doze anos, a fim de que os seus habitantes não pudessem dizer: ‘Não ouvimos falar de Jesus’. Terminado esse prazo, os apóstolos sairiam pelo mundo. Talvez seja natural pensarmos, entretanto, que os judeus helenistas tenham sofrido acima dos demais, por causa do evento em tomo de Estêvão; e alguns supõem que o conselho de Gamaliel, acerca dos maus-tratos conferidos aos apóstolos, tivera algum peso e resultado (ver Atos 5:34-39). Porém, nada menos que a mão divina poderia ter provido para os crentes uma proteção eficaz.