«...nem efeminados...» No original grego, a palavra indica, basicamente «algo fofo» e, como um adjetivo, tal vocábulo pode referir-se a vestes ou outros objetos suaves ao tato. Também pode significar «débil», «enfermiço», «desencorajado», em sua forma adjetivada. Como substantivo, porém, significa «suave», «efeminado», tendo sido largamente aplicado à homossexualidade por vários autores antigos, indicando homens que aceitam os afagos de outros homens, como se fossem mulheres. Há estudiosos que pensam que aqui está em foco a masturbação; mas essa idéia não parece estar em vista aqui. Assim é que a tradução siríaca compreende a questão. Essa palavra também pode significar simplesmente «suave» ou «efeminado» quanto às maneiras. Mas a condenação de Paulo parece ter sido mais profunda do que isso subentenderia.
«...sodomitas...» Esse vocábulo veio a ser usado para indicar a homossexualidade, em vista do fato que tal pecado era prevalente em Sodoma, quando Ló ali habitava, segundo a narrativa do antigo pacto. No grego, essa palavra, literalmente traduzida, indica «ato sexual de homem com homem». A sodomia, portanto, é apenas um eufemismo, sendo largamente empregada pelos tradutores, a fim de suavizar o impacto da expressão. Não sabemos precisar se Paulo quis estabelecer contraste entre essa palavra e o vocábulo anterior, que também indica a homossexualidade. Talvez a primeira dessas palavras indique os homens que fazem um papel feminino, ao passo que esta última indique os pederastas positivos. Paulo condenou severamente a uns e a outros, em Rom. 1:26,27, onde essa prática, tanto de mulheres com mulheres como de homens com homens, é condenada. Ambos os vocábulos, utilizados neste versículo, indicam homens, de tal modo que a homossexualidade feminina não é aqui diretamente aludida e condenada, conforme se vê em Rom. 1:26,27. Sendo homem, Paulo via a homossexualidade masculina com maior horror do que a homossexualidade feminina. Não obstante, condenou ambas essas aberrações. Essa prática era tão comum entre os gregos antigos que veio a ser intitulada pelo nome de «pecado grego». Devido a ser pecado extremamente comum, não era grandemente ofensivo para as sensibilidades gregas, diferentemente do que sucedia entre os hebreus; antes, era questão perfeitamente indiferente. «A prevalência de tão escandalosos crimes, no mundo do paganismo, é constantemente aludidanas epístolas de Paulo às igrejas gentílicas. Ver Rom. 13:13; Gál. 5:19,20; I Tim. 1:9,10 e Tito 1:12». (Shore, in loc.).
A expressão «reino de Deus» (que em alguns trechos aparece como «reino dos céus») é um termo extremamente complexo, usado de diversas maneiras, por diferentes autores sagrados, ou mesmo por um único desses autores.
«. ..herdarão...», porque em Cristo os crentes participarão de tudo quanto ele é e tem. Ora, a «herança» implica em «adoção» (ver Rom. 8:15 acerca disso) e em «filiação» (ver Rom. 8:14,16). Existem indivíduos que são autênticos «filhos de Deus», que estão sendo transformados segundo a imagem de Cristo, «o Filho de Deus». Esses haverão de finalmente compartilhar de suas características morais; porque, do contrário, não são legítimos filhos de Deus. Ê exatamente isso que Paulo salientava nos versículos nono a décimo primeiro deste capítulo. E também podemos considerar isso como aquelas características que devem ser possuídas pelos súditos do reino eterno, em contraste com os súditos mortais deste inferior nível terreno. Os respectivos cidadãos desses dois reinos devem ser diferentes entre si. Por meio de seus frutos é que poderemos reconhecê-los. (Ver Mat. 7:20). Os verdadeiros frutos espirituais jamais poderão ser imitados para sempre, já que são resultantes da operação do Espírito Santo no íntimo dos remidos. (Ver Gál. 5:22,23). Somente dessa maneira é que os homens podem vir a ser aquilo que o Senhor Jesus é, em qualquer proporção significativa. Trata-se, portanto, de uma obra divina, e não do resultado do esforço humano. Vários moralistas antigos prepararam listas de vícios que os virtuosos precisam evitar. Aqui o apóstolo Paulo novamente apresenta uma lista de certos vícios, seguindo esse costume dos ensinos morais da filosofia helênica, costume esse incorporado no judaísmo posterior, embora não se possa vê-lo nem nas páginas do A.T. e nem nas interpretações talmúdicas dos judeus.
«...Não vos enganeis...» Os crentes podem ser enganados. O verbo, no original grego, se encontra no passivo: «Não vos deixeis enganar...» Isso subentende algum erro fundamental, na maneira de pensar ou de agir. Na voz ativa, esse mesmo verbo grego significa «fazer desviar-se», «enganar». Mas, na voz passiva significa «estar em erro», «ser enganado». Esse ludibrio pode ser provocado pelo próprio indivíduo ou pode ser induzido por outrem.E pode envolver doutrina ou ação. Havia muitas maneiras pelas quais podemos compreender como os crentes de Corinto estavam enganados: 1. Poderiam ir incorporando em suas crenças e ações as corrupções da sociedade pagã, acostumando-se gradualmente a tais coisas, não mais se lembrando do que os elevados padrões cristãos exigem, sem qualquer transigência, porque sem a presença desses padrões e seu cumprimento nas vidas dos homens, ninguém poderá jamais contemplar a Deus. A conversão subentende que o indivíduo está seguindo o «elevado padrão» do cristianismo, porque, em caso contrário, nem terá havido conversão. Porque também se poderia indagar, caso não se veja modificação alguma na vida do indivíduo envolvido: «Do que e para o que houve conversão?»
2. É possível que certos membros da igreja de Corinto tivessem aplicado erroneamente e houvessem abusado do ensino paulino sobre a graça divina, imaginando os tais que o sistema da graça nada mais envolve senão alguma ação de aceitação de Cristo, mas nenhuma substância da mesma na própria
alma. Bem pelo contrário, entretanto, o sistema da graça divina garante a conversão, a santificação e a transformação do crente segundo a imagem de Cristo, mediante a influência mística do Espirito Santo. Onde esse aspecto estiver faltando, nenhuma operação graciosa de Deus pode ser
subentendida.
3. Mas também é possível que aqueles crentes se tivessem deixado iludir através da influência de determinadas doutrinas gnósticas, as quais asseveravam que o corpo é a sede mesma do princípio do mal, e que nada pode ser feito a esse respeito. (Ver notas completas sobre o Gnosticismo em Col. 2:18). De conformidade com essas doutrinas gnósticas, o indivíduo só se veria livre da presença do mal quando a alma fosse libertada, através da morte física. E então, com base nessa noção, cria-se que não tem muita importância o que o indivíduo faz com o seu próprio corpo, podendo a pessoa entregar-se de corpo a qualquer ato imoral.
4. Alguns judeus pensavam que a crença na existência do «Deus único» era suficiente, mesmo sem o acompanhamento de uma vida santa. Em qualquer desses sentidos, pois, os crentes de Corinto poderiam estar equivocados e poderiam estar enganando a outros; e o resultado disso é que viviam muito aquém dos verdadeiros padrões do cristianismo, praticando exatamente aqueles pecados que não podem ser praticados por qualquer dos filhos legítimos do reino de Deus, sendo sempre características próprias daqueles que são «de fora», que são «injustos», que são «incrédulos». «...não sabeis...» (Essa expressão pode ser comparada com o que se lê em I Cor. 6:2,3). Ê como se Paulo estivesse perguntando: «Sois tão sábios (ver I Cor. 1:18 e ss.), e, no entanto, não tendes nem ao menos essa noção básica sobre o que o sistema da graça divina exige de vós? Não compreendeis a seriedade do que estais praticando, e nem entendeis quais sejam os padrões de vida que vos devem nortear na conduta diária? Pensais que podeis viver como vindes fazendo, e mesmo assim serdes verdadeiros crentes em Cristo? Não vos deixeis enganar».
«nem impuros...» Esse adjetivo dá início a uma lista de dez formas de ofensas morais. Dentre essas cinco formas alistadas neste nono versículo, quatro dizem respeito a alguma forma de conduta sexual distorcida. E dentre as cinco outras formas que aparecem no versículo seguinte, três falam acerca das propriedades ou direitos pessoais, como aqueles sobre os quais Paulo acabara de discorrer, nos versículos primeiro a oitavo deste capítulo, porquanto podemos admitir que os «processos legais» ali condenados, também estão em foco entre os defeitos que devem ser evitados pelos crentes. Todos esses vícios devem ser aceitos como esclarecimentos da palavra geral, «adikoi» (os «injustos», que aparece na primeira porção deste nono versículo), aplicada àqueles que não podem herdar o reino de Deus, os quais ocupam a posição oposta dos «justos», dos crentes», dos «santos verdadeiros» de Deus, dos «regenerados» em Cristo Jesus, conforme tantos crentes de Corinto imaginavam ser. Essa palavra grega, «adikoi», pode ser compreendida como termo sugerido pelo vocábulo «adikeite», «praticar a injustiça», que aparece no versículo anterior, vocábulo esse que indica aqueles que praticam males diversos. Essa palavra tem um sentido geral, e se aplica a todas as formas do mal, que caracterizam os homens não-regenerados.
«...impuros...» Essa palavra é amplamente comentada nas notas expositivas sobre I Cor. 5:1. Trata-se de um termo geral que expressa todas as modalidades de pecados sexuais. Nesse citado versículo, essa palavra aparece na forma substantivada, indicando todas as formas de «imoralidade», conforme também essa palavra é traduzida em diversas versões. Esse vocábulo inclui, portanto, as várias subcategorias que aparecem em seguida.
«...nem idólatras...» (Quanto a essa palavra, ver as notas expositivas acerca de I Cor. 5:10). Literalmente traduzida, teríamos «aqueles que adoram imagens». Essa é uma ofensa contra os direitos de Deus, o mais elevado dos direitos. Seu sentido primário, como já dissemos, é a adoração a
ídolos, mas, em I Cor. 5:10, visto ser aplicada a lapsos possíveis entre os crentes, também deve significar a adoração a qualquer coisa, a qualquer indivíduo, a qualquer item que tenda por substituir a Deus no coração do homem, sem importar se se tra ta de um crente ou de um incrédulo. A «sabedoria humana», o prestígio, a fama, o próprio bem-estar, se forem exageradamente considerados, são exemplos dessa forma de idolatria. A idolatria ignora os direitos de Deus, que é o ente que merece a honra suprema; e assim o idólatra passa a honrar a objetos de segunda categoria,
furtando de Deus o respeito que lhe é devido. Ora, aquele que rouba a Deus desse devido respeito, facilmente se volta para outras coisas, que passam a ocupar a sua atenção, não demorando muito para que a sua vida passe a ser «governada» por princípios vis e inferiores, ao invés de sê-lo pela «divina
idéia». E dificilmente um indivíduo pode encontrar-se no caminho de «retorno a Deus» (que é o alvo mesmo de toda a existência humana), se essa atitude ocorre em sua vida como algo habitual e constante.
«...adúlteros...» Pecado específico praticado por pessoas casadas, ou, pelo menos, por uma pessoa casada e outra solteira, em ato sexual ilícito. Tal palavra é empregada para indicar também a infidelidade espiritual para Deus, como no caso da idolatria, que é um adultério espiritual. Mas, conforme o contexto nos mostra, Paulo se reportava aqui primariamente a um pecado físico.